sexta-feira, 31 de maio de 2019

Denúncia – Incra de Santarém emite título de terras a pessoa morta


Levantamento mostrou irregularidades na emissão dos Contratos de Concessão de Uso, um título provisório e individual de terras que não poderia ser concedido em assentamentos coletivos
Mais de 230 títulos de terra emitidos em um só dia, uma pessoa com certidão de óbito registrada em cartório recebendo título de terra, concessões individuais de terra em assentamentos coletivos. Todas essas irregularidades foram encontradas em investigação do Ministério Público Federal (MPF) na Superintendência Regional do Instituto de Colonização e Reforma Agrária em Santarém. O caso foi levado à Justiça Federal em ação civil pública que pede a correção urgente dos problemas.
Na ação judicial, a procuradora da República Luisa Astarita Sangoi explica que a investigação analisou 1019 Contratos de Concessão de Uso (CCU), um tipo de título de terra provisório e individual fornecido pelo Incra desde 2017. Uma das principais ilegalidades encontradas foi a emissão das CCUs em modalidades coletivas de assentamentos, como os Projetos de Assentamento Agroextrativista (PAE) e os Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS). Nesses casos, apenas títulos coletivos para as comunidades moradoras poderiam ser emitidos.
A emissão de títulos individuais para as modalidades coletivas de assentamento representa um grave risco para os moradores, ao criar uma porta de entrada para grileiros que compram as CCUs e posteriormente passam a ameaçar as comunidades locais, buscando avançar sobre as terras coletivas. O risco de conflitos fundiários nesses assentamentos vem aumentando, assim como o desmatamento irregular, porque madeireiros também podem se aproveitar da irregularidade.
O ritmo de emissão de CCUs no Incra de Santarém,  mesmo em assentamentos que admitem a titulação individual, chamou a atenção do MPF. Em apenas um dia, em janeiro de 2018, foram emitidos 238 CCUs no Projeto de Assentamento Eixo Forte, que fica no próprio município de Santarém. Para o MPF “é alarmante o fato de em um único dia ter havido a emissão de 238 títulos de concessão de uso em um mesmo projeto de assentamento”. Ao examinar as CCUs por amostragens, o alarme se justificou: foram vários casos de títulos emitidos duas ou três vezes para um mesmo titular e foi encontrado um título outorgado de mais de 9 mil hectares a uma pessoa já morta, com certidão de óbito registrada em cartório em 2015.
A ação civil pública ajuizada pelo MPF pede que a Justiça obrigue a superintendência do Incra em Santarém a só emitir CCUs em assentamentos após a verificação prévia dos requisitos e a vistoria no local, assegurando que o beneficiário do título preencha os requisitos legais. O MPF também quer a proibição de emissão de títulos individuais em assentamentos coletivos, “uma vez que a emissão de CCUs individualiza os lotes e gera alienações destes, o que é incompatível com essas formas de assentamento”.
Entenda os requisitos exigidos por lei para que o Incra possa emitir títulos provisórios em assentamentos de reforma agrária: “Georreferenciamento do assentamento, certificação da área, aplicação do crédito de instalação, implantação da infraestrutura básica no assentamento, cumprimento das cláusulas contratuais pelos beneficiários e certificação dos lotes com atualização perimétrica”.
MÁQUINA PÚBLICA SENDO UTILIZADA COMO PRODUTORA DE TÍTULOS: Em um trecho da ação, o MPF diz o seguinte: “…Durante a análise do arcabouço documental acostado nos autos, verificou-se uma situação, no mínimo, peculiar. Fora emitido, no dia 23/01/2018, um CCU em favor de Maria Viana da Costa (CPF: 110.604.412-68), referente à área de 9,0636 ha no interior do PAE Eixo Forte. Ocorre que, conforme consulta no sistema RADAR, Maria Viana faleceu em 28/09/2015, tendo seu óbito sido inclusive registrado no Cartório de Registro Civil do Terceiro Ofício de Santarém bem como no SISOB. Assim, constatou-se que fora outorgado um CCU em favor de uma pessoa falecida, cujos dados do falecimento estavam atualizados nos sistemas pertinentes e para verificação bastava uma simples consulta. Desta forma, esta prova, em análise conjunta com os outros documentos probatórios, indicam a ocorrência de fatos que podem ser reprimidos na seara cível e criminal, por delinearem que a máquina pública está sendo utilizada como produtora de títulos da reforma agrária, beneficiando até pessoas no céu! Ante o exposto, é inconteste a existência de inúmeras inconsistências na emissão de CCUs pelo SR30-INCRA. Ademais, restou demonstrada a emissão de CCUs individuais em assentamentos coletivos, em quantidades significativas, fato este que compromete a própria existência dessa modalidade de assentamento, que pressupõe a posse coletiva da área. Diante disso, foram expedidos inúmeros ofícios ao INCRA em busca de esclarecimentos, todavia, na ausência de resolução do problema na via extrajudicial, tornou-se necessário o ajuizamento da presente ação para buscar decisão judicial que obrigue o INCRA a observar os requisitos legais na emissão de CCUs e, igualmente, impedir que o INCRA emita mais CCUs em assentamentos de posse coletiva, sob pena de inviabilizar a existência destes”. Com informações do MPF

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